A geração do wellness e o burnout silencioso: por que a Geração Z, a mais “saudável” da história, está lotando os consultórios de especialistas

A Geração Z tem sido rotulada como a mais consciente de sua saúde: engajada em corridas de rua, treinos pesados na academia, adepta de dietas funcionais e pioneira em priorizar o bem-estar mental. Essa é a percepção pública, o movimento que enche as redes sociais de influenciadores fitness com dezenas de milhões de seguidores e que lota os espaços de ginástica no país. O número de alunos em academias no Brasil, por exemplo, cresceu 50% nos últimos cinco anos.

Naturalmente, essa onda de autocuidado e prevenção deveria aliviar a demanda dos consultórios médicos, certo? O paradoxo é que a realidade clínica aponta para o oposto.

Com essa nova onda de autocuidado e com o crescimento de uma indústria global de bem-estar que já ultrapassa a marca de US$ 6,3 trilhões, a busca por médicos especialistas que ajudem nesse cuidado também aumenta. Nutrologia e Medicina Integrativa se tornam áreas de expansão estratégica, impulsionadas pela demanda por otimização e suplementação, cujo consumo de vitaminas cresceu 9,3% em 2024.

Porém, a Geração Z também aumenta a demanda de outros consultórios, não apenas seguindo o hype do wellness, mas também no que se refere a problemas mentais e sociais. Por isso, aqui, você, médico especialista, vai entender como essa percepção de geração saudável mascara a maneira pela qual as redes sociais transformaram o rumo de muitos jovens para um caminho contrário ao wellness, e como eles também merecem atenção especial dos médicos.

Quando o wellness vira status: a saúde como um produto de alto consumo

Para a Geração Z, o bem-estar não é apenas a ausência de doença, é uma performance de vida e um ativo social. Impulsionada pela idealização das rotinas e dos corpos dos influenciadores digitais, essa geração consome saúde buscando a otimização do corpo e da mente, tentando alcançar uma versão 2.0 de si mesma.

Os gastos e o foco de atenção se voltam para o que é visível e mensurável: a suplementação complexa, que se tornou um mercado de bilhões, e a busca por especialistas como nutrólogos e médicos esportivos que possam validar e potencializar essa rotina.

Essa é a geração que chega ao consultório munida de gráficos do smartwatch e de pesquisas detalhadas (nem sempre corretas) sobre a dosagem ideal de vitaminas. O médico precisa estar preparado para esse atendimento de “alto engajamento”, em que o paciente não busca apenas a cura, mas exige um aprofundamento técnico para validar seu autodiagnóstico.

Essa alta taxa de conhecimento, porém, esconde uma verdade preocupante: a saúde foi convertida em um status social, e a busca incessante por essa perfeição visível inspirada nas redes é o que, ironicamente, está gerando a próxima crise de saúde mental.

O muro da performance: o que a busca pela saúde nas redes sociais esconde dos consultórios

Se a Geração Z é tão obcecada por wellness e otimização, por que as estatísticas de saúde mental disparam?

O problema está no fato de que o wellness propagado nas redes sociais é, em essência, uma performance de alto risco. A busca incessante por um corpo, uma rotina ou uma mente otimizada cria um muro de pressão que, quando se rompe, se manifesta em patologias graves e em um esgotamento precoce.

O que é visto publicamente como “autocuidado” é, na realidade clínica, uma competição exaustiva. Esse ciclo vicioso é reforçado por mecanismos digitais desenhados para viciar, fragmentar a atenção e distorcer a autopercepção do jovem.

O algoritmo da ansiedade: a armadilha da dopamina e o vício em validação

O sintoma mais claro dessa crise é a ansiedade galopante. A Geração Z é a primeira a ter seu desenvolvimento cerebral exposto desde a infância a plataformas digitais cujo sistema de recompensa foi projetado para viciar.

Estudos mostram que o cérebro adolescente, com o córtex pré-frontal responsável pelo controle de impulsos ainda em maturação, torna-se hipersensível à dopamina. Uma mente jovem estimulada desde cedo a buscar a gratificação imediata dificilmente consegue manter uma boa saúde mental no longo prazo.

Essa busca incessante por estímulos rápidos e pela validação social, traduzida em química cerebral, cria uma dependência que se manifesta clinicamente como falta de concentração e intolerância à frustração.

A consequência direta dessa “fadiga de dopamina” é que jovens que passam mais de três horas por dia nas redes sociais têm um risco 30% maior de desenvolver quadros de depressão. O brasileiro, em média, já gasta tempo superior a essa marca nas redes.

Além disso, a alta exposição a “vidas perfeitas” nas redes sociais faz com que as comparações afundem ainda mais esses jovens. O resultado é a ansiedade generalizada: a mente busca a solução instantânea do feed, mas encontra o diagnóstico de exaustão no consultório, pois a régua de perfeição se tornou impossível de alcançar.

A patologia da alta performance: 60% da Geração Z já experimentou o esgotamento

O esgotamento não é um problema exclusivo dos profissionais experientes. A mentalidade de otimização e alta performance, cultivada desde a adolescência, é transportada diretamente para o ambiente de trabalho.

O jovem da Geração Z não se permite o ócio, ele vê o descanso como improdutividade e está constantemente sob a pressão de “ser a melhor versão” de si mesmo, não só fisicamente, mas também profissionalmente.

O resultado é um colapso precoce. Estatísticas da plataforma Betterfly mostram que 60% dos jovens nascidos entre 1995 e 2010 já experimentaram a sensação de burnout. Esse é o custo de uma vida em que a validação é constante e o fracasso é publicamente inaceitável.

O médico especialista deve estar preparado para receber um paciente que, apesar da pouca idade, chega ao consultório com sintomas de exaustão extrema.

A outra face da exaustão: o perigo do boreout

O esgotamento na Geração Z não se resume apenas à sobrecarga de trabalho e estudo (burnout). Em muitos casos, ele decorre da falta de desafio e propósito, uma síndrome chamada boreout (tédio crônico).

Ou seja, burnout e boreout são doenças de causas completamente opostas, mas que têm a mesma origem: o estímulo excessivo das redes sociais e o vício dopaminérgico.

Essa geração, acostumada à gratificação instantânea e à busca incessante por significado, frustra-se rapidamente em ambientes de trabalho ou estudo que são engessados, repetitivos ou sem propósito claro.

Essa frustração leva à perda de motivação, apatia e sintomas de ansiedade e baixa autoestima, semelhantes ao burnout.

Para o médico especialista, é fundamental distinguir a origem desse esgotamento. O paciente pode estar doente não por trabalhar demais, mas por sentir que seu esforço não é significativo.

O papel essencial do especialista: onde o caos digital encontra o diagnóstico sólido

A complexidade da Geração Z exige que o médico especialista adote uma visão que vá além do sintoma físico. O paciente que entra na sua clínica não está buscando apenas uma prescrição, ele está, muitas vezes, em busca de um refúgio da pressão digital e de uma validação que não seja baseada em likes.

Em meio à enxurrada de informações e autodiagnósticos do Google e do TikTok, o consultório médico é o único lugar onde o tempo é dedicado à escuta ativa e onde o diagnóstico é baseado em conhecimento sólido, e não em algoritmos.

O sucesso no tratamento e na fidelização dessa geração depende da sua capacidade de desmistificar a perfeição e guiar o paciente do superficial (wellness como status) ao profundo (a verdadeira saúde).

É essencial que o profissional de saúde restaure a autoridade do conhecimento frente ao imediatismo, transformando a ansiedade por performance em adesão a um plano de cuidado sustentável.

Na verdade, a Geração Z não é a mais saudável, mas sim a geração que mais precisa de ajuda. O médico que continuar tratando apenas a superfície, como a dor de cabeça, o distúrbio do sono ou o sintoma isolado, pode simplesmente não estar enxergando a raiz do problema do paciente.

O sucesso no futuro da prática clínica não está em acompanhar o próximo hype do wellness, mas em estabelecer um vínculo de confiança que permita ao paciente blindar sua saúde mental dos estímulos e vícios digitais.

O consultório deve ser o porto seguro da realidade, onde o tempo não é ditado pelo algoritmo e a validação é clínica e humana.

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